Numa época em que se fala, mais do que nunca, de muros a serem erguidos, de fronteiras a serem reerguidas e de uma generalizada desconfiança do “outro” – o outro que somos nós, mas nascidos noutra circunstância –, é vital que o Imaterial se posicione também como plataforma de contactos entre os vários do mercado da música a nível planetário. Até porque também a pandemia de covid-19 veio lembrar- nos o quanto nos é essencial o pulsar da música ao vivo, assim como quão diferente e marcante é a experiência colectiva de nos reunirmos em torno de sons que vemos ganhar vida à nossa frente.

A plataforma profissional associada ao Imaterial remete-nos também para uma das características notáveis do património imaterial – a faculdade de transportar uma identidade local e levá-la a correr mundo, apresentá-la num outro lugar, estabelecer diálogos e promover encontros entre povos. E visa, em específico, a promoção de artistas ibéricos cuja criação esteja
ancorada nas raízes populares, nas músicas tradicionais e na tradição oral, incluindo todos aqueles que tomam essas raízes como pretexto para reequacionar, desconstruir ou actualizar essas pistas passadas. Ao longo de três dias, preenchidos por conferências, mesas redondas, oficinas, speedmeetings e showcases, as músicas de raiz e expressão ibérica mostrar-se-ão a um amplo conjunto de programadores, agentes, promotores, produtores, editoras, técnicos e jornalistas de todo o mundo, potenciando o alcance internacional da sua expressão e assumindo um compromisso de celebrar as músicas ligadas ao passado garantindo-lhes também a viabilidade de um futuro.

Porque se há um movimento interior na essência do Imaterial, associado à celebração e à vivência do património imaterial a partir da realidade local alentejana, existe um outro movimento, simultâneo, dirigido para o exterior, impelido pelo desejo de partilhar toda a riqueza destas terras com quem possa contá-la e mostrá-la ao mundo.

As SHOWCASES do Encontro Ibérico de Música foram selecionadas por uma equipa de programadores e produtores: Carlos Seixas (FMM, Imaterial, Ciclo Mundos), Luís Garcia (Artes À Rua, Imaterial), Marc Lloret (Mercat Vic), Vítor Belho (Cantos na Maré).
Showcase: Magali Sare & Manel Fortià
Showcase: Magali Sare & Manel Fortià
catalunha
24 jun / 21:30
Fang i Núvols – lama e nuvens. Assim se chama o primeiro álbum do duo catalão Magalí Sare & Manel Fortià. E a explicação é fácil, dizem: enquanto um assegura a base rítmica da música (pensemos, portanto, no barro), o outro pode flutuar livremente por cima dela (cabendo-lhe o lugar das nuvens). A terra e o ar, em suma; as raízes e aquilo que delas se desprende. Esses dois papéis que a voz de Magalí e o contrabaixo de Manel chamam a si, e vão trocando ao longo de cada canção, reanimam este reportório retirado dos cancioneiros ibero-americano e catalão (com temas de Silvio Rodríguez, Simón Diaz, Henry Martínez ou Castor Pérez e Glòria Cruz) e abordado a partir de uma liberdade interpretativa própria de dois músicos formados pelo jazz. Uma liberdade feita de riscos e da segurança de que um está sempre lá a amparar o outro.

Imagem: ©Mireia Farran
Showcase: Lavoisier
Showcase: Lavoisier
portugal
24 jun / 22:20
Dizia o químico francês a quem Patrícia Relvas e Roberto Afonso pediram emprestada a designação do seu duo que, na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Foi essa lei, aplicada às raízes tradicionais da música portuguesa, que os dois músicos assumiram ao criarem, em 2012, esta singular formação, cuja sedução se baseia no recurso a duas vozes e uma guitarra eléctrica. Depois de dois álbuns, É Teu (2017) e Projecto 675 (2014), que os fixaram como “um dos mais interessantes nomes da música portuguesa desta década”, segundo o jornal Público, os Lavoisier lançaram-se à ambiciosa missão de criar uma colecção de canções para os textos de um dos mais importantes autores de língua portuguesa do século XX. Miguel Torga por Lavoisier: Viagem a Um Reino Maravilhoso é aquilo que promete: um belo mergulho no maravilhoso mapa humanista e telúrico das palavras de Torga.

Imagem: ©André Macedo
Showcase: O Gajo
Showcase: O Gajo
portugal
25 jun / 21:30
As aparições, de maior ou menos pendor religioso, podem assumir formas mais ou menos inesperadas. No caso de João Morais, músico com um longo passado no circuito punk-rock português, essa aparição-epifania surgiu-lhe com o desenho de uma viola campaniça. Convencido de que tinha chegado o momento de se ligar à música de raiz popular, ainda namorou com a guitarra portuguesa, mas percebeu que dali não sairia casamento. Até que, por acidente do destino – se pudermos chamar destino a um tocador da cidade de Beja –, João caiu de amores pela campaniça. Desde então, já lá vão uns cinco anos, deu corpo a O Gajo, uma redescoberta das possibilidades acústicas de um músico crescido na electricidade. Para a gravação do último álbum, Subterrâneos, chamou Carlos Barretto e José Salgueiro, levando mais longe esta investigação pessoal da relação resultante entre um indivíduo de hoje e um instrumento do tempo em que a música acontecia nas feiras e nas tabernas.
Showcase: Laura Lamontagne & PicoAmperio
Showcase: Laura Lamontagne & PicoAmperio
galiza
25 jun / 22:20
Contar histórias é uma das práticas mais ancestrais da humanidade. E uma das tradições mais estruturantes das identidades dos povos, criando correntes, transmitindo saberes e valores, construindo linhagens e pertenças. Mas, a cada momento, é preciso perceber qual a melhor maneira de o fazer. Laura LaMontagne, vinda do mundo da poesia e da música folk, encontrou em PicoAmperio, de gosto educado pelo hip-hop, o parceiro ideal, surpreendente na preparação da cama para o canto e as respectivas histórias. Aquilo que nos trazem recupera a tradição galaico-portuguesa, mas lança sobre ela ritmos electrónicos, originando uma música, segundo a revista Mondosonoro, “onde tradição e experimentação invocam um idioma comum de transgressão e respeito em partes iguais”. Só que alcançam-no com a naturalidade e a organicidade que fazem de cada canção uma canção de agora e não uma mera actualização histórica.

Imagem: ©Denís Estevez
Showcase: Jon Luz & Maria Alice
Showcase: Jon Luz & Maria Alice
cabo verde / portugal
Jardim Público de Évora
26 JUN / 21:30
Jon Luz chegou a Lisboa em 1998, integrado num espectáculo da coreógrafa Clara Andermatt, e deixou-se ficar a bailar por Portugal. Verdadeiro homem dos sete instrumentos, Jon não demorou a reclamar com a sua inventividade um lugar seguro na música por cá criada. Foi-se juntando a outros músicos cabo-verdianos, como Ildo Lobo, Lura ou Tito Paris, mas também a António Zambujo ou Sara Tavares, espalhando a imensa luz (mesmo se lhe esquecermos o apelido) que irradia das cordas do seu cavaquinho ou da sua guitarra. Dos muitos encontros que foi alimentando ao longo de anos, o músico escolheu agora regressar ao convívio artístico com Maria Alice, inigualável voz dessa doce melancolia a que chamamos morna. Em Jon Luz Convida Maria Alice, os dois atiram-se a clássicos de Paulino Vieira ou B. Leza, juntam-lhes uns quantos originais e fazem a sua própria morna. Uma morna orgulhosamente nascida em Cabo Verde, mas que tem também casa em Lisboa.

Imagem: ©Dayan Dornelles
Showcase: Los Hermanos Cubero
Showcase: Los Hermanos Cubero
castela-mancha
Jardim Público de Évora
26 jun / 22:20
Enrique e Roberto Cubero partilham pai e mãe, mas também uma convicção firme de que tradição e modernidade podem ser duas faces de uma só moeda. E acreditam mesmo que não é absolutamente certo de que saibamos sempre se nos encontramos diante de uma face ou da outra. Mesmo a tradição, quando tocada hoje, ganha uma outra vida, transforma-se por via dos seus intérpretes, crescidos num contexto diferente do original. O lançamento simultâneo dos álbuns Errantes Telúricos e Proyecto Toribio, este ano, faz prova disso mesmo: no primeiro, Los Hermanos Cubero aparecem como guardiões do folclore de La Alcarria e convidam músicos de diferentes linhagens musicais para os acompanhar; no segundo, são eles os representantes da contemporaneidade, juntando-se a uma dezena de violinistas para homenagear o mestre Toribio del Olmo. Estarmos dentro ou fora da tradição pode, pois, não passar de uma questão de perspectiva.

Imagem: ©Blanca Regina